Os primeiros meses de 2014 foram marcados por eventos lamentáveis de racismo envolvendo brasileiros: o jogador de futebol Tinga no Peru e o jogador Daniel Alves na Espanha. Mas como podemos desejar que o mundo não seja racista se muitos brasileiros assim o são?
No Brasil, todos os dias milhares de pessoas são discriminadas seja por sua condição social, ou pela cor de sua pele, pela orientação sexual, ou até mesmo pela condição de idoso ou deficiente físico ou mental. Como podemos ver quem é racista assim o é pelo fato de não aceitar as diferenças apresentadas na sociedade. Não interessa o motivo, ser negro, índio, loiro, magro, gordo, alto demais, baixo demais, idoso, travesti, protestante, pai de santo, morador de rua, nordestino, nortista, periférico, etc. Quem é racista discrimina tudo o que não se enquadra nos seus “padrões” de normalidade.
Sou Delegada de Polícia Civil do Estado de Roraima há dez anos. Antes fui Investigadora de Polícia Civil no Estado do Amazonas onde na cidade de Manaus nasci. Fui nomeada Delegada de Polícia Civil em 2004 após ser aprovada no concurso público realizado em 2003 pelo CESPE/Unb onde das 100 (cem) vagas oferecidas ocupei a posição 58 (cinquenta e oito) na classificação final. Antes é claro tive de me formar bacharel em Direito na turma de 2002, curso financiado pelo FIES/CAIXA devido a pouca condição de renda de minha família e minha. Na época meu pai era taxista, hoje com todo seu esforço é Psicólogo tendo colado grau aos 52 anos. Terminei de pagar a minha faculdade (FIES) creio que em 2011 já como Delegada. Também fui aprovada e iniciei o curso de Economia na Universidade Federal do Amazonas em 1997, mas, devido as constantes greves me desanimei e desisti do curso. Em 2003 conquistei o título de Especialista em Direito Penal e Processo Penal.
Não nasci elitista! Não sou elitista! Meu sustento vem do cargo que ocupo como Funcionária Pública Concursada, onde estudei só e em casa, não frequentei os tão famosos cursinhos preparatórios. Não tinha condições de pagar um. Só contava com meu esforço e incentivo de minha família. Meu transporte, como o de milhares de brasileiros, era o ônibus coletivo lotado. A cor da minha pele branca e a de meu cabelo não me pouparam disso, de ir ao shopping e ficar “lambendo” a vitrine sem poder comprar nada. A cor de minha pele ou de meu cabelo não abriu portas mágicas para mim! Nenhum príncipe encantado me resgatou em seu cavalo branco! Fui resgatada pelos ESTUDOS! Minha vida mudou porque aproveitei as únicas heranças deixadas por meus pais: a EDUCAÇÃO e o RESPEITO às diferenças. Eles me ensinaram e nós precisamos ensinar aos nossos filhos.
A escola em que eu e meu irmão estudamos era um local de integração e respeito às diferenças. Nas salas de aula havia integração de nós, crianças, sem restrições físicas ou mentais, com crianças com todo tipo de deficiência. Estudei com crianças com Síndrome de Down, com paralisia cerebral, em cadeiras de rodas, com deficiências auditivas, etc. O respeito que tenho hoje pelas diferenças aprendi convivendo com essas abençoadas pessoas. Sou fruto da personalidade digna de meus pais e da visão do dono da escola um psicólogo, o “Tio Gilberto” e sua equipe.
Não estou aqui me promovendo como ser humano, mas diante dos lamentáveis fatos ocorridos após a reunião da Executiva Nacional do Tucanafro no dia 13 de maio deste ano, em Brasília onde “estou” como presidente do Tucanafro Roraima, missão a qual fui convidada e não imposta, eu não poderia me abster de me pronunciar principalmente não para me defender por não ser racista e, sim, para provar que NINGUÉM PODE SER JULGADO POR SUA APARÊNCIA. Pessoas tendenciosas que não me conhecem estão me julgando pela atual cor do meu cabelo loiro, me taxando “loira burra” e oportunista. Amanhã o cabelo pode estar ruivo ou castanho, mas a minha dignidade e o meu nível de inteligência nunca serão afetados por isso. Eu conheço minha história de vida e é como a de qualquer brasileiro de classe média baixa que estudou e obteve êxito.
Na verdade, essas pessoas, as quais também não conheço, pouco estão se importando com a igualdade racial ou social, e estão sendo oportunistas para atacar a imagem do PSDB, de nosso líder Aécio Neves e consequentemente a minha. Recebi tantas mensagens vergonhosas via Twitter e Facebook que posso afirmar que, em nosso país, as pessoas não respeitam o posicionamento das demais. Mesmo que eu não concorde com você nós não precisamos discutir ou desrespeitar uns aos outros. O pior é que certas pessoas não expressam o que sentem e sim o que são pagas para sentir.
Como podem afirmar que eu não sei o que é ser discriminada se vivo escutando que no local onde nasci, Manaus/AM, e no local onde resido Boa Vista/RR, só têm ÍNDIOS, como se ser índio fosse indigno? Como podem afirmar que eu não sei o que é ser discriminada se ocupo um cargo historicamente ocupado só por homens? Como podem afirmar que eu não sei o que é ser discriminada se sou uma orgulhosa mãe solteira e chefe de família como muitas mulheres guerreiras de nosso país?
Citarei duas frases absurdas que me twittaram: “só negro pode defender a causa negra, só índio pode defender a causa indígena, você não pode!” e “você pode até defender a causa negra, mas não pode protagonizar nem se apropriar da mesma”. Dois exemplos do que tenho ouvindo. Puro racismo e incentivo à segregação racial. Se assim fosse, cada Estado necessitaria de parlamentares, prefeitos e governadores um para cada raça para defendê-los e governar um mesmo local e o Brasil necessitaria de um presidente negro para os negros, um presidente índio paras os indígenas, um presidente homem para os homens, uma presidenta mulher só para as mulheres, e assim por diante, dentro do mesmo período de quatro anos. Que absurdo! Que ideia racista!
Quanto a segunda e tendenciosa frase, informo que o sangue que corre em minhas veias e na de todos os brasileiros independente da nossa cor de pele ou tipo de cabelo é o sangue da miscigenação formado pelo sangue do negro, do índio, do branco e o de todos imigrantes os quais ajudaram a escrever a história do nosso amado Brasil!
Cândida de Magalhães
Presidente do Tucanafro Roraima